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A Noite da Central do Brasil https://gp-pt.net/forum/viewtopic.php?f=35&t=7681 |
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Autor: | DANTE [ 29 Nov 2008 ] |
Assunto da Mensagem: | A Noite da Central do Brasil |
Estaciono o Sucatão na Marechal Floriano, próximo àquele prédio do Exército, dali em diante vou caminhando até a Central. Era alta madrugada, o grande Relógio acima da Estação marcava 1h:30 em seus ponteiros, a iluminação é precária e o silêncio flutuante cria o clima de suspense. Andar por naqueles arredores é como circundar o Castelo de Drácula, é uma sensação que mistura receio com excitação. À medida que me aproximava da Estação da Central, o movimento aumentava, o ar ganhava mais vida. As meninas ficam pulverizadas pela periferia da Estação. É possível vê-las, numa postura até que discreta, pelas calçadas, embaixo de marquises, perto de um posto de gasolina que há por ali e circulando pelas fronteiras da Rodoviária que existe atrás da linha dos trens. Fui andando e apreciando aquela Paisagem que me é pouco familiar. O aroma do Churrasquinho impera por todos os lados, os Camelôs iluminam o local com todo o tipo de bugigangas. Existe alegria na Central! Paro e observo tudo, tento conter a lembrança, estou embaixo de um ícone do Rio, o Relógio da Central, quase um arquétipo. Nossos olhares se cruzaram neste exato momento, a Valdirene estava parada perto da saída lateral da estação. Percebi que era madura. Loira, magra, cerca de 1,60m, usava uma saia jeans surrada e uma camiseta rosa. O nosso flerte durou uns cinco minutos e eu resolvi me chegar. Contou-me ser Maranhense, mora no Morro da Providência, tem 45 anos e perdeu a conta de quanto tempo está na vida. Ela me olhava com face de espanto, parecia não compreender o que eu fazia na Central de madrugada. Seu olhar me fez entender que nem eu mesmo sabia o que estava fazendo ali... Mas eu me sentia estranhamente integrado naquele universo, a bebida ainda circulava no meu sangue e minha loucura estava mais solta. Conversamos uns cinco minutos, foi quando um gesto comovente ocorreu, ela pegou na minha mão e disse que me tiraria dali, que era perigoso eu ficar parado ali. Levou-me para uma barraquinha de Cachorro-Quente quase na esquina da Barão de São Félix, perguntou se eu estava com fome e eu respondi que nós dois iríamos comer. Ela aceitou e me olhou com uma ternura que me comoveu profundamente. Enquanto lanchávamos, não nos falávamos, somente nos olhávamos e a comunicação fluiu como poucas vezes fui capaz de me fazer entender. Novamente, ela segura minha mão e me conduz numa nova viagem em direção ao Hotel Campos. O quarto me custou R$ 16,00, perguntei quanto ela desejaria receber como presente, ela me pede apenas R$ 20,00, mas eu deixo R$ 30,00. Eu estava vindo de dois encontros quase consecutivos, não haveria mais força para um terceiro, mesmo assim a acompanhei ao quarto. Que me chamem de Poeta! Que me rotulem de louco! Que me taxem como doente!... Mas no meio daqueles lençóis rasgados e entre aquelas paredes sujas, eu vivi um dos momentos mais doces da minha vida. Expliquei a Valdirene que eu não desejava transar, queria apenas descansar um pouco na companhia dela. Ela me despiu lentamente, cheia de cuidados, recostou-se na cama e pediu que eu colocasse a cabeça em seu colo. Começou a me acariciar, fazer cafuné, alisava meu corpo, tocava meu sexo, beijava levemente minha boca e me olhava como se estivesse vendo algo que tivesse muito valor. Meu colega Forista, você é a única pessoa para quem eu posso tentar transmitir a beleza deste momento, mas não consigo encontrar as palavras e a forma que vão revelar este acontecimento singular. De repente, eu estava num quarto paupérrimo, à beira da Central do Brasil, com uma prostituta envelhecida e descobria a luz do mais puro afeto, enxerguei a transparência de quem compreende as profundezas do amor. Precisei me despedir, ela me deu um abraço e me pediu que não sumisse. Não sei quando irei voltar ou sequer se irei voltar, talvez eu queira guardar esse instante da forma como o vi, da maneira como ocorreu pra mim. Volto ao Sucatão, alguma coisa havia mudado em mim. Ligo o rádio e sigo a Marechal Floriano para retornar pela Presidente Vargas. Quando estou passando em frente ao Sambódromo, uma música do Barão Vermelho transpira do alto-falante... "Baby, compra o jornal E vem ver o sol Ele continua a brilhar Apesar de tanta barbaridade... Baby escuta o galo cantar A aurora de nossos tempos Não é hora de chorar Amanheceu o pensamento... O poeta está vivo Com seus moinhos de vento A impulsionar A grande roda da história... Mas quem tem coragem de ouvir Amanheceu o pensamento Que vai mudar o mundo Com seus moinhos de ventos..." Acredite, Forista sem fé, a mágica ainda existe... DANTE |
Autor: | Radar [ 30 Nov 2008 ] |
Assunto da Mensagem: | Re: A Noite da Central do Brasil |
Excelente como sempre Dante... ![]() ![]() ![]() Radar ![]() ![]() ![]() |
Autor: | Marsapio [ 30 Nov 2008 ] |
Assunto da Mensagem: | Re: A Noite da Central do Brasil |
Caro confrade Dante, muitos parabéns por esta e outras crónicas que tem partilhado connosco aqui neste fórum. ![]() ![]() Um abraço e venham de lá mais momentos como este! |
Autor: | eduardob [ 04 Jan 2009 ] |
Assunto da Mensagem: | Re: A Noite da Central do Brasil |
O confrade Dante é um cronista lúcido, um poeta, um filósofo, um baladeiro melancólico desta nossa existência de putanheiros... Receba os meus sinceros cumprimentos daqui deste lado do Atlântico! Saravá! ![]() |
Autor: | Safado [ 04 Jan 2009 ] |
Assunto da Mensagem: | Re: A Noite da Central do Brasil |
Sim, o confrade Dante brinda-nos sempre com grandes prosas de alta qualidade. Penso que nao teria grande dificuldade em conseguir publicar um livro com elas se bem que entendo que o que o motive seja partilhar "aqueles" momento aqui com a galera-irmã... |
Autor: | Marc [ 04 Jan 2009 ] |
Assunto da Mensagem: | Re: A Noite da Central do Brasil |
Confrade Dante, Tenho lido as suas crónicas com um prazer imenso, sim prazer é o que uma boa escrita causa num humilde leitor como eu. Há realmente um punhado de confrades com uma prosa "alguns furos" acima dos restantes e você é, sem dúvida nenhuma, um deles. ![]() Um bem haja para si. |
Autor: | DANTE [ 04 Jan 2009 ] |
Assunto da Mensagem: | Re: A Noite da Central do Brasil |
Marc Escreveu: Confrade Dante, Há realmente um punhado de confrades com uma prosa "alguns furos" acima dos restantes e você é, sem dúvida nenhuma, um deles. Obrigado Marc! São palavras como as suas que mantêm acessa a motivação de quem escreve neste excelente espaço! |
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