
Agora que já arrefeci, vou tentar fazer a minha análise exaustiva do jogo...
Quem não gosta de "testamentos" que desista já, que eu acho que tenho muito para escrever!
Do ponto de vista estético, acho que este foi um jogo fraco. Quase mal jogado. A partir do 2º golo o Benfica abusou do chutão. Mas do ponto de vista táctico foi um jogo bem interressante. Foi como acompanhar uma boa partida de xadrez, nesse aspecto.
Eu gostei desta vitória por diversas razões:
- o Benfica distanciou-se mais 3 pontinhos, o que dá um bocadinho mais de margem para escorregadelas, num campeonato que é longo
- desde o início da época que se ouve e lê por todo o lado que o Benfica é uma equipa esfrangalhada e que o Porto está fortíssimo
- foi uma vitória do colectivo sobre as individualidades, e gosto disso, quer seja no futebol quer seja em outras situações
Começando pelo 2º ponto... sempre me irritou um bocado essa ideia tão difundida.
Sim, este ano o Benfica perdeu talento, e o Porto ganhou muito talento. Mas isso é diferente de dizer que o Benfica está completamente esfrangalhado e que o Porto está fortíssimo.
O Benfica não está completamente esfrangalhado porque manteve o treinador, e manteve bastantes jogadores que são treinados há já algum tempo por esse treinador. Tem uma ideia bem definida de jogo e sabe como interpretá-la. Está só mais fraco, que é diferente de completamente esfrangalhado.
O Porto está naturalmente mais forte, mas para estar fortíssimo ainda tem de melhorar e consolidar processos de jogo. Precisa de tempo, porque construir uma equipa não é como fazer gelatina instantanea. Lá para Maio até poderá estar fortíssimo, mas a meio de Dezembro ainda não está.
Este jogo foi sobretudo uma vitória do Jesus sobre o Lopetegui.
Se fosse 11 contra 11, sem treinador, sem táctica, num jogo de férias de Verão, acho que o 11 do Benfica perdia concerteza.
Só que ter talento numa equipa é muito importante (porque sem ovos não se fazem omoletas), mas não é a unica coisa importante.
Obviamente que o Jesus também consegue colocar equipas a jogar futebol vistoso. Tem é de ter jogadores para isso, e depende também também do adversário. É mais fácil jogar futebol vistoso contra uma equipa do fundo da tabela da Primeira Liga do que contra o Real Madrid. E por exemplo, é mais fácil jogar futebol vistoso com Coentrão, Di Maria, Aimar e Saviola do que com André Almeida, Gaitan, Talisca e Lima. Não estou a falar mal de nenhum jogador em particular... só a constatar o que me parece praticamente um facto.
Jesus, no meu entender, neste momento só tem 5 elementos com classe acima da média: Julio César, Luisao, Enzo, Gaitan e Jonas. São jogadores que têm capacidade de jogar bem, independentemente do adversário. Não significa que o façam sempre, mas têm essa capacidade. Têm talento, inteligência, experiência, característicasícas físicas e técnicas que o permitem.
Os outros... falta sempre qualquer coisita.
Por exemplo, Sálvio é um jogador bom, mas pouco inteligente, e por isso, contra oponentes fortes fisicamente, muitas vezes quase desaparece.
E percebo a opção de Jesus de não colocar Jonas. O importante neste jogo para o Benfica era explorar aquela que era praticamente a sua única vantagem óbvia sobre o Porto... a capacidade de jogar como colectivo. E nesse aspecto, Lima interpreta melhor as ideias de Jesus, porque já treina sob as suas ordens há mais tempo. E isso foi muito importante no aspecto defensivo, como realçou Jesus. Porque os avançados não se limitam a atacar e o defesas não se limitam a defender.
Aliás, este ultimo ponto que referi acho que foi a chave do jogo.
Os laterais do Porto costumam acrescentar muito ofensivamente á equipa. E neste jogo Gaitan e Salvio contribuiram muito para que isso não acontecesse tanto como de costume. Não evitaram, mas dificultaram, e muito.
Para além disso Lima e Talisca colocaram sempre muita pressão, obrigando os defesas centrais a terem dificuldades na saída de bola, e a canalizarem jogo para as alas. O que é interessante, pois essa até costuma ser a 1ª opção do Porto. Mas desta vez o Benfica tentou que fosse um bocado mais quase obrigatório.
Só que a baliza não está junto às bandeirolas de canto. Está ao meio. Canalizar jogo pelas alas e dar largura é interessante como opção, sobretudo se depois se souber como fazer chegar a bola ao meio com qualidade. O Porto apesar de ter jogadores com muito talento ainda não sabe fazer isso muito bem contra equipas fortes a defender.
Quantas vezes não vimos os jogadores do Porto a ultrapassarem adversário e a encontrarem um 2º pela frente?.... ultrapassarem 2 adversários e a encontrarem um 3º pela frente?... até a ultrapassarem 3 adversários e a encontrarem um 4º pela frente?
Ir até à linha de fundo, em ataque organizado, para depois se dirigir á baliza, é engraçado contra equipas que se posicionam mal. Ou se se tiver um Messi, que além de saber conduzir a bola, sabe sempre exactamente quando e como a soltar em benefício da equipa. Contra linhas defensivas bem definidas é quase necessário ultrapassar meia equipa. Quase que não interessa a técnica ou a velocidade dos jogadores, porque são demasiado obstáculos pela frente, uns atrás dos outros. Pode resultar de vez em quando, mas as probabilidades são pequenas.
O Porto teve algumas oportunidades, mas a bola chegou pouquíssimas vezes com qualidade a quem tinha que finalizar. Aliás, provavelmente algumas das oportunidades que existiram até foram falhadas por isso mesmo. Se a equipa do Benfica não fosse competente a defender, o Porto teria tido muitas mais oportunidades. Porque os jogadores do Porto nem estiveram mal a atacar. Mas nunca existiu um massacre continuo à baliza do Benfica. Nunca houve sufoco. Foi uma ocasião ali, outra acolá. Porque o Benfica "empurrava" a bola para zonas onde não incomodavam a sua baliza durante largos períodos.
Interessante pensar qual seria a estratégia de Jesus que não foi usada.
Eu li algures que ele disse algo deste género: "tinhamos 2 ideias para este jogo, mas só usámos uma".
O facto de jogar Lima e não Jonas, e também Talisca e não Jonas, e de Talisca estar como médio também é interessante, e poderá estar relacionado com essa tal ideia que não foi usada.
Lopetegui perante Talisca no meio campo, 2 alas e Lima na frente, quase se via obrigado a não poder abdicar de 4 defesas e um trinco. Sobretudo o trinco. Em parte até devido à altura de Talisca. No final arriscou com 3 defesas, mas sem tirar o trinco, e só depois disso Jesus tirou Talisca. Só depois de Lopetegui já não poder fazer mais substituições, é que Jesus tirou o jogador que quase obrigava Casemiro a ficar em campo. Assim, Lopetegui ficou sem a opção de tentar 3 médios-centro criativos.
E mais uma vez, o povoamento do meio campo do Benfica, com mais um jogador do que é costume, convidava o Porto a canalizar o jogo pelas alas. Mas depois da bola já estar numa das alas ofensivas do Porto, um dos jogadores do meio campo podia ir ajudar Salvio/Maxi e Gaitan/Almeida, e sem correr o risco de desguarnecer o meio campo, porque mesmo assim ficavam 2 jogadores no centro do campo, o que até já é habitual.
É a porra da basculação em funcionamento.
Convidar o Porto a ir pelas alas, e depois bascular a equipa para um lado ou para o outro, de modo a estrangular a ala onde estava a bola.
Mas Jesus não precisou de plano B porque ao intervalo já estava a ganhar, e antes dos 60/70 minutos, quando os treinadores costumam fazer mudanças, já estava a vencer por dois golos. A partir daí só tinha de defender, e não precisava de arriscar nem um milimetro, porque se há coisa que a equipa sabe fazer, é defender. Foi jogar feio e ganhar.
Outros aspectos interessantes do jogo e aspectos que o envolveram:
- Oliver Torres a sobressaír pela sua qualidade. Joga muito.
- Julio César a contribuir para a vitória, e Fabiano a contribuir para a derrota.
- Enzo e Gaian podem ser pretendidos por outras equipas, mas já estão mais que habituados a notícias dessas, e talvez por isso não me parece que isso os influencia. Brahimi não está tão habituado a ser pretendido, e poderá ter sentido essa pressão.
- Tello podia ter tentado mais fazer gato sapato de André Almeida depois do amarelo que este levou, e não o fez.
- O unico jogador praticamente intransponível do Benfica foi Enzo. Acrescenta muito defensivamente a uma equipa.
- Porto com azar nos remates aos postes
- O lance do lançamento lateral e a tentativa de Brahimi de incomodar o lance. à margem da lei (e que dizerm que pareceu treinado)
- A eficácia do Benfica, e de Lima que andava com problemas nesse aspecto ultimamente
Por fim, independentemente de terem ganho, acho que todos os jogadores do Benfica, mesmo sem brilhantismos, fizeram um jogo à altura das suas capacidades.
Acho que não posso dizer o mesmo dos jogadores do Porto.
E sim, se Lopetegui aposta mais nas individualidades do que no colectivo para desequilibrar um jogo, então Quaresma tem de ser titular, porque nesse aspecto ele é rei. Se é para ter uma equipa que vale sobretudo pelo colectivo, então tem razão, porque nesse aspecto há lá melhor que Quaresma.
