Voltando ao Jimenez...
Acho que há um conjunto de factores que o Benfica conseguiu ir aprendendo a controlar melhor nos ultimos anos.
Sobretudo a gestão do equilibrio de 2 factores muito importantes.
1.
O facto dos agentes dos jogadores não ganharem dinheiro representando somente jogadores, mas sobretudo representando jogadores que se transferem, é um deles.
O que faz os agentes relamente ganharem dinheiro são as transferencias. Quanto mais os jogadores andarem dum lado para o outro, melhor é para eles.
Para um clube conseguir que os agentes gostem e prefiram trabalhar com esse clube, tem de poder proporcionar este tipo de situações. Não o contrário. Se um clube estiver sempre a combater os agentes, a levar a que os jogadores do clube prefiram este agente em vez daquele, a tentar limitar o numero de transferencias, a negociar de forma demasiado dura, leva a que depois os agentes não tenham vontade de promover negócios com esse clube.
Os clubes não podem somente tentar potencializar ao máximo cada um dos seus negócios. Porque ao potencializar ao máximo um negócio, poderá a estar a estragar o negócio seguinte. Tem de existir alguma flexibilidade. É normalmente preferível, sobretudo no médio-longo prazo, criar situações de win-win, em vez de situações de win-lose. Claro que conseguir uma vitória retumbante num negócio permite depois vir para a comunicação dizer, armado aos cucos, que se é o melhor negociador do mundo. O problema é que as consequências poderão surgir depois.
2.
Outra questão é a gestão do activo e do passivo do clube. Ou a gestão dos activos (jogadores), de forma a atingir o equilibrio pretendido entre activo e passivo do clube.
Se o Benfica não vendesse ninguém e não comprasse ninguém durante somente 1 ou 2 anos, entrava em falencia técnica. Mesmo com resultados operacionias positivos. Porque todos os anos existem amortizações. Os jogadores podem até manter ou aumentar o seu valor de mercado, mas contabilisticamente desvalorizam. Os proveitos operacionais do Benfica não conseguem por enquanto cobrir os custos operacionais, os custos financeiros e as amortizações.
A maior parte de nós, adeptos, fazemos as contas assim... o jogador X custou 20, vendeu-se por 25, ganhou-se 5.
Na prática, a nível contabilistico não funciona de forma assim tão simples.
Não sou propriamente um especialista em contabilidade, mas em traços gerais julgo que percebo minimamente o funcionamento de forma simplificada, embora também limitada, que passo a tentar explicar de melhor forma possível. Com o menor numero possível de calinadas técnicas, espero eu...
Imaginemos que o passivo do clube é igual ao activo, por isso os capitais próprios são iguais a zero.
Chega um jogador que custou 15, com um contrato de 3 anos, e que foi estabelecido um pagamento de 5 tranches nos próximos 5 anos, sem nenhum pagamento a pronto. Imaginemos que não há juros, e que assim são 3 milhões por ano.
Os activos aumentam 15 (porque entrou um activo, o jogador), e aumentou o passivo em 15 (porque passou a exsitir uma divida de 15). Ficou quase tudo na mesma, aumentando o activo e o passivo do clube, mas mantendo-se o equilibrio.
No ano seguinte, existe a parte da divida para pagar (que estará por lá nos meio dos custos do exercicio) e existe uma amortização do jogador. Como o contrato é de 3 anos, isso significa uma amortização de 5 milhões por ano. O clube tem de retirar da conta bancária 3 Milhões para pagar a 1ª tranche ao clube a quem comprou (diminuiu os activos), o passivo baixa 3 Milhões (porque se pagou parte da divida), e o passe do jogador é amortizado em 5 Milhões (baixa o activo em mais 5 milhões). De referir que na amortização não existe saida de dinheiro. Mas o jogador que nas contas do clube estava contabilizado como valendo 15 Milhões, de repente passa a valer somente 10 Milhões. É um registo meramente contabilistico, mas que tem influência nas contas do clube.
Portanto o passivo baixou 3 milhões, mas o activo baixou 8 (3 milhões que saíram da conta bancária + 5 Milhões da amortização). Passou então a existir um desequilibrio. As contas já não estão equilibradas como no ano anterior. O valor do activo do clube já não é igual aoo valor do passivo. O que é necessário então fazer para tentar resolver este problema do passivo passar a ser maior que o activo? Vender nesse ano outro jogador qualquer, que permita uma mais valia de pelo menos 5 Milhões, só para as contas ficarem pelo menos equilibradas. E no ano seguinte a mesma coisa. Até que finalmente algum dia chegará a altura de ser o tal jogador que custou 15 a ser vendido, por um valor que permita uma mais valia que vá compensar as amortizações de outros jogadores. Se por exemplo o tal jogador for vendido durante o seu ultimo ano de contrato, ele contabilisticamente teria ainda um valor de 5 Milhões (porque já tinham sido amortizados 10 Milhões), e se for vendido por 20 milhões, isso significa que a mais valia seria de 15 Milhões. Os 20 que é o valor da venda, menos os 5 que são o seu valor contabilistico.
Assim, a mais valia é de 15 Milhões. Como podem verificar isto na prática é um bocado diferente daquilo que referi inicialmente que é o ponto de vista mais simplificado de muitos adpetos. Que volto a lembrar, é... o jogador custou 15, vendeu-se por 20, ganhou-se 5.
O que acontece é que o custo do jogador é diluido pelos anos de duração do contrato. E o custo não é o mesmo que o pagamento. Não interessa muito para o caso quando é que o jogador foi pago. O custo não é contabilizado no momento do pagamento, mas sim através das amortizações.
E esta lenga-lenga toda para quê?
Para tentar demonstrar que o clube, por enquanto, tem de estar sempre a vender e a comprar, como forma de não deixar que o seu activo decresça mais depressa que o seu passivo. No caso do Benfica são mais de 35 Milhões de amortizações por ano. Um clube com menos activo amortiza menos, obviamente. E para o activo não diminuir é preciso investir em mais activos. Isto é, entre outras coisas, comprar jogadores. Mesmo que não sejam necessários para a equipa, o Benfica vê-se obrigado a comprar e a vender jogadores. Comprar para o activo aumentar, e vender para cobrir amortizações (entre outras coisas, como por exemplo os custos financeiros). Sobretudo enquanto não tiver um valor considerável de capitais próprios. Conforme estes capitais próprios forem sendo recuperados, esta necessidade irá diminuindo. Porque se por exemplo o activo fosse superior ao passivo em 40 Milhões, não seriam somente as amortizações de 35 milhões por ano que colocariam o Benfica em risco de o passivo passar a ser maior que o activo. Porque já existiria uma "margem de segurança" que o Benfica poderia utilizar num ano em que tal fosse necessário, por exemplo. Além disso, os resultados operacionais anuais (e positivos) do clube até permitem cobrir uma parte destas amortizações.
Ora, estas 2 situações, isto é, o equilibrio das contas do clube e a manutenção de boas relações com os agentes dos jogadores, obrigam o Benfica a ter de vender e comprar, comprar e vender. Todos os anos. Quer os jogadores sejam muito necessários à equipa quer não. Quer os que saiem, quer os que entram.
Só assim o Benfica consegue ter as contas equilibradas e ao mesmo tempo ter acesso a jogadores que permitam manter a equipa minimamente competitiva. Porque os agentes dos jogadores também não são parvos. Se um clube lhes proporciona bons negócios, eles sabem que também tem de proporcionar algumas oportunidades de o clube poder beneficiar de bons jogadores. É uma troca minimamente justa, que beneficia ambos.
Dificil é manter estes 3 equilibrios.
Gerir estas 2 situações que referi, e ao mesmo tempo manter o plantel minimamente competitivo e equilibrado.
Para manter estes 3 pratos a girar, sem deixar nenhum caír e se partir em bocadinhos, é preciso estar sempre a correr de prato para prato, dando a atenção devida a cada um deles.
Se se desse só atençao ao plantel, as contas poderiam derrapar. Se se desse só atenção ás contas, a qualidado plantel poderia diminuir. Se se desse só atençao às contas e ao plantel de forma imediata, endurecendo demasiado as negociações no momento presente, os agentes poderiam ficar descontentes, e no futuro quando se pretendesse um jogador desses agentes, poder-se-ia ficar somente a ver navios.
E é aqui que quero chegar finalmente... acho que o Benfica tem sabido cada vez melhor gerir estes equilibrios.
E como é que eu chego a esta conclusão? Não é analisando os negócios um a um. Isso é olhar somente um pormenor do quadro, em vez de olhar para a
big picture.
Eu chego a esta conclusão sobretudo através da análise dos resultados anuais, quer desportivos quer financeiros, e da sua evolução ao longo do tempo.
Se a equipa se mantém competitiva ou até tem aumentado a sua competitividade, se as contas se mantêm equilibradas com tendência a melhorarem de ano para ano, então é porque se tem conseguido gerir bem estes equilibrios.
Seria impossivel obter os resultados desportivos e financeiros dos ultimos anos sem uma gestão equilibrada destes 3 factores.
Sem uma boa gestão destes equilibrios, o Benfica poderia não ter tido acesso a alguns jogadores que neste momento possui (porque os agentes desse jogadores poderiam dar preferencia a outros clubes), poderia não ter tido os resultados desportivos dos ultimos anos (porque não poderia não ter os jogadores necessários para isso), e poderia ter tido resultados financeiros piores do que os que teve (porque estes dependem muito dos resultados desportivos e da qualidade dos jogadores que se possui para vender).
Portanto, para quem não percebeu a minha "indirecta" quando comentei o negócio Jimenez, acho que olhar para somente esse negócio, sem olhar para as diversas consequências desse negócio, é estar a ignorar "the big picture". E era aqui que eu queria finalmente chegar.
E talvez já nem seja somente as consequências. Talvez já sejam também as circunstâncias que originam e possibilitam este negócio. Aqui já não estou muito à vontade para tecer grandes comentários, por desconhecimento de factos, e alguma falta de conhecimento teórico. Mas se o Benfica neste momento já entra em negócios de compras com esta ordem de grandeza, quando até há pouco tempo os parecia evitar, talvez também seja porque as circunstâncias já o permitem. Nomeadamente o aumento de liquidez que se tem verificado. Ter ou não ter as contas equilibradas, e ter ou não ter dinheiro "no bolso", fazem de certeza também alguma diferença.
Por outro lado, e para finalizar, há uma coisa que gostaria de realçar.
Há uma diferença bem grande entre gastar uma pipa de massa num jogador que ainda não se sabe se vai render alguma coisa no clube ou não, e gastar uma pipa de massa num jogador que já deu provas que tem rendimento no clube. O primeiro negócio implica bem mais incerteza e risco que o segundo. O risco existe sempre, mas o objectivo deverá ser minimizá-lo o mais possível.
E não esquecer que, tal como no exemplo recentemente referido neste fórum do André Gomes, há um grande diferença entre o que clube sabe e os que os adeptos sabem sobre o jogador. Nem sequer estou a falar de possíveis propostas que o publico desconheça. Refiro-me somente a elementos estatisticos e dados de performance física que o clube conhece, e o simples adepto não. O que origina, por exemplo, os tais casos de os adeptos acharem que um jogador é lento, quando ele até o mais rápido da equipa. Se o clube acha que um jogador (que já conhece bem) vale X, e o publico geral acha que ele nem sequer vale metade, isso não significa automaticamente que o clube esteja errado, ou que o publico esteja certo.
Neste caso, nem sequer se percebe bem a razão de tento espalhafato. Um jogador que não é normalmente titular, que marcou um numero assinalável de golos jogando poucos minutos, sendo que alguns desses golos foram decisivos, marcados em momentos de elevada pressão, quer no campeonato (que conduziu ao tricampeoanto), quer na Liga dos Campeões (que originou um entrada de verbas nunca antes atingida), é seguramente um jogador valioso. Basicamente, isso normalmente significa que vale muito dinheiro, e não o contrário. Mais ainda, se atendermos à sua idade, e profissionalismo evidenciado.
É o que eu acho.
