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A Noite da Central do Brasil
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DANTE
Registado: 16 Mar 2007 Mensagens: 177
TD's nos últs 90 dias: 0
- Voyeur
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 A Noite da Central do Brasil
Estaciono o Sucatão na Marechal Floriano, próximo àquele prédio do Exército, dali em diante vou caminhando até a Central.
Era alta madrugada, o grande Relógio acima da Estação marcava 1h:30 em seus ponteiros, a iluminação é precária e o silêncio flutuante cria o clima de suspense.
Andar por naqueles arredores é como circundar o Castelo de Drácula, é uma sensação que mistura receio com excitação.
À medida que me aproximava da Estação da Central, o movimento aumentava, o ar ganhava mais vida.
As meninas ficam pulverizadas pela periferia da Estação. É possível vê-las, numa postura até que discreta, pelas calçadas, embaixo de marquises, perto de um posto de gasolina que há por ali e circulando pelas fronteiras da Rodoviária que existe atrás da linha dos trens.
Fui andando e apreciando aquela Paisagem que me é pouco familiar. O aroma do Churrasquinho impera por todos os lados, os Camelôs iluminam o local com todo o tipo de bugigangas. Existe alegria na Central!
Paro e observo tudo, tento conter a lembrança, estou embaixo de um ícone do Rio, o Relógio da Central, quase um arquétipo.
Nossos olhares se cruzaram neste exato momento, a Valdirene estava parada perto da saída lateral da estação.
Percebi que era madura. Loira, magra, cerca de 1,60m, usava uma saia jeans surrada e uma camiseta rosa. O nosso flerte durou uns cinco minutos e eu resolvi me chegar.
Contou-me ser Maranhense, mora no Morro da Providência, tem 45 anos e perdeu a conta de quanto tempo está na vida. Ela me olhava com face de espanto, parecia não compreender o que eu fazia na Central de madrugada. Seu olhar me fez entender que nem eu mesmo sabia o que estava fazendo ali... Mas eu me sentia estranhamente integrado naquele universo, a bebida ainda circulava no meu sangue e minha loucura estava mais solta.
Conversamos uns cinco minutos, foi quando um gesto comovente ocorreu, ela pegou na minha mão e disse que me tiraria dali, que era perigoso eu ficar parado ali. Levou-me para uma barraquinha de Cachorro-Quente quase na esquina da Barão de São Félix, perguntou se eu estava com fome e eu respondi que nós dois iríamos comer. Ela aceitou e me olhou com uma ternura que me comoveu profundamente.
Enquanto lanchávamos, não nos falávamos, somente nos olhávamos e a comunicação fluiu como poucas vezes fui capaz de me fazer entender.
Novamente, ela segura minha mão e me conduz numa nova viagem em direção ao Hotel Campos.
O quarto me custou R$ 16,00, perguntei quanto ela desejaria receber como presente, ela me pede apenas R$ 20,00, mas eu deixo R$ 30,00.
Eu estava vindo de dois encontros quase consecutivos, não haveria mais força para um terceiro, mesmo assim a acompanhei ao quarto.
Que me chamem de Poeta! Que me rotulem de louco! Que me taxem como doente!... Mas no meio daqueles lençóis rasgados e entre aquelas paredes sujas, eu vivi um dos momentos mais doces da minha vida.
Expliquei a Valdirene que eu não desejava transar, queria apenas descansar um pouco na companhia dela. Ela me despiu lentamente, cheia de cuidados, recostou-se na cama e pediu que eu colocasse a cabeça em seu colo. Começou a me acariciar, fazer cafuné, alisava meu corpo, tocava meu sexo, beijava levemente minha boca e me olhava como se estivesse vendo algo que tivesse muito valor.
Meu colega Forista, você é a única pessoa para quem eu posso tentar transmitir a beleza deste momento, mas não consigo encontrar as palavras e a forma que vão revelar este acontecimento singular.
De repente, eu estava num quarto paupérrimo, à beira da Central do Brasil, com uma prostituta envelhecida e descobria a luz do mais puro afeto, enxerguei a transparência de quem compreende as profundezas do amor.
Precisei me despedir, ela me deu um abraço e me pediu que não sumisse. Não sei quando irei voltar ou sequer se irei voltar, talvez eu queira guardar esse instante da forma como o vi, da maneira como ocorreu pra mim.
Volto ao Sucatão, alguma coisa havia mudado em mim. Ligo o rádio e sigo a Marechal Floriano para retornar pela Presidente Vargas. Quando estou passando em frente ao Sambódromo, uma música do Barão Vermelho transpira do alto-falante...
"Baby, compra o jornal E vem ver o sol Ele continua a brilhar Apesar de tanta barbaridade...
Baby escuta o galo cantar A aurora de nossos tempos Não é hora de chorar Amanheceu o pensamento...
O poeta está vivo Com seus moinhos de vento A impulsionar A grande roda da história...
Mas quem tem coragem de ouvir Amanheceu o pensamento Que vai mudar o mundo Com seus moinhos de ventos..."
Acredite, Forista sem fé, a mágica ainda existe...
DANTE
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29 Nov 2008 |
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Radar
Registado: 15 Nov 2006 Mensagens: 11757
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 Re: A Noite da Central do Brasil
Excelente como sempre Dante...
Radar 
_________________ ...ايام ليأخذ كل شيء
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30 Nov 2008 |
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Marsapio
Registado: 11 Mai 2008 Mensagens: 6780
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 Re: A Noite da Central do Brasil
Caro confrade Dante, muitos parabéns por esta e outras crónicas que tem partilhado connosco aqui neste fórum.  Sobre este, em particular, devo dizer-lhe que o acho bastante tocante, por revelar uma faceta tantas vezes não assumida neste mundo da GPs por serem coisas demasiado íntimas, em que por vezes, ao procurarmos "sexo" acabamos por viver experiências muito mais marcantes do que aquelas que seriam as nossas reais intenções. Algumas vezes experiências boas e edificantes, outras vezes más e desconcertantes e outras ainda, difíceis de digerir por nos remeterem para estados melancólicos resultantes de algumas "duras realidades" com que somos confrontados. Um abraço e venham de lá mais momentos como este!
_________________ O cérebro é o meu segundo órgão favorito. (Woody Allen)
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30 Nov 2008 |
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eduardob
Registado: 07 Jan 2008 Mensagens: 2232 Localização: Lisboa
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 Re: A Noite da Central do Brasil
O confrade Dante é um cronista lúcido, um poeta, um filósofo, um baladeiro melancólico desta nossa existência de putanheiros... Receba os meus sinceros cumprimentos daqui deste lado do Atlântico! Saravá! 
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04 Jan 2009 |
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Safado
Registado: 12 Jan 2007 Mensagens: 6105
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 Re: A Noite da Central do Brasil
Sim, o confrade Dante brinda-nos sempre com grandes prosas de alta qualidade.
Penso que nao teria grande dificuldade em conseguir publicar um livro com elas se bem que entendo que o que o motive seja partilhar "aqueles" momento aqui com a galera-irmã...
_________________ If it flies, floats, or fucks... rent it!
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04 Jan 2009 |
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Marc
Registado: 29 Mai 2007 Mensagens: 12849
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 Re: A Noite da Central do Brasil
Confrade Dante, Tenho lido as suas crónicas com um prazer imenso, sim prazer é o que uma boa escrita causa num humilde leitor como eu. Há realmente um punhado de confrades com uma prosa "alguns furos" acima dos restantes e você é, sem dúvida nenhuma, um deles. Um bem haja para si.
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04 Jan 2009 |
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DANTE
Registado: 16 Mar 2007 Mensagens: 177
TD's nos últs 90 dias: 0
- Voyeur
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 Re: A Noite da Central do Brasil
Marc Escreveu: Confrade Dante,
Há realmente um punhado de confrades com uma prosa "alguns furos" acima dos restantes e você é, sem dúvida nenhuma, um deles. Obrigado Marc! São palavras como as suas que mantêm acessa a motivação de quem escreve neste excelente espaço!
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04 Jan 2009 |
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